O EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS E A ALTA DOS PREÇOS DA CARNE EM RAZÃO DA ALTA DEMANDA DA CHINA
Um contrato administrativo é um acordo recíproco entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares com conceituação dada pela Lei de Licitações (Lei de nº 8.666/1993), especificamente em seu artigo 3º. Sem prejuízo de todas as especificidades dessa modalidade específica de contratação, o contrato administrativo é negócio jurídico bilateral ou plurilateral com intuito de criar vínculo obrigacional entre as partes.
É notório que todo contrato, seja administrativo ou não, deverá manter durante a sua vigência o equilíbrio econômico-financeiro das obrigações ali assumidas.
Neste contexto, é plenamente possível a ocorrência de inúmeras variáveis durante a vigência do prazo contratual que podem acarretar a mudança dos termos inicialmente pactuados no contrato administrativo, o que afetaria, por óbvio, o mencionado equilíbrio econômico financeiro. Diante deste cenário excepcional, surgiria, portanto, a necessidade do restabelecimento deste equilíbrio.
Destaca-se que manutenção equânime da equação econômica financeira de um contrato administrativo tem previsão constitucional, artigo 37, inciso XXI, sem prejuízo dos princípios gerais do Direito, e deverá ocorrer independente do estabelecido no corpo do instrumento contratual.
O Legislador brasileiro previu algumas formas de solução para que se evite o desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos:
- Reajuste de índices previamente estabelecidos, tais como IGPM ou INCC. Esta é inteligência do artigo 40, inciso XI, da Lei de Licitações:
- Análise da variação dos custos na planilha de preços, conforme disposto no artigo 55, inciso III, da Lei de Licitações:
As duas possibilidades acima não contemplam a imprevisibilidade propriamente dita, objeto desta análise, mas merecem o devido destaque quando da elaboração do Termo de Referência e Edital, pois dizem respeito às variáveis possíveis que podem ocorrer no curso da execução dos serviços/fornecimento de produtos contratados pela Administração Pública, quais sejam: atualização monetária e variação de custos.
Feito este esclarecimento, a possibilidade de revisão dos contratos administrativos com intuito de reequilibrar a equação econômico-financeira, como dito anteriormente, não depende de previsão no edital, e poderá ser demanda a qualquer tempo ao longo do contrato.
A revisão pode ser buscada quando ocorrerem fatos que sejam imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis; que representem um caso fortuito ou de força maior; ou por ocorrência de fato do príncipe (ato emanado do Estado, por exemplo, criação de um novo tributo).
A Lei de licitações prevê a possibilidade de revisão contratual para reequilíbrio econômico financeiro em seu artigo 65, inciso II, alínea “d”.
Demonstrada a possibilidade de revisão do contrato administrativo quando da ocorrência de fatos imprevisíveis e posteriores à contratação, será analisada a recente alta dos preços das carnes ocorrida no mercado brasileiro, o que por certo irá alterar o equilíbrio econômico-financeiro de empresas fornecedoras de carne à Administração Pública.
De acordo com o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), recentemente publicado pela FGV, a carne bovina apareceu com alta de 5,26% em novembro de 2019, dez vezes mais do que o visto em outubro.
A explicação para a alta no preço da carne está no aumento da demanda da China. Os criadores chineses tiveram que abater mais de um milhão de porcos em vista de um surto de peste suína africana. O Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China estima que cerca de 40% do plantel de suínos do país foi dizimado pela doença. Essa crise acaba por afetar todo o mercado mundial.
De acordo com a associação da indústria Abrafrigo, a crescente demanda dos chineses elevaram as compras de carne bovina do Brasil em 23,6% de janeiro a outubro, para cerca de 320 mil toneladas, o país exportou 11% mais no período, para 1,47 milhão de toneladas.
“A gente sabia que ocorreria uma maior demanda por boi para abate, mas não nesta magnitude… O número de empresas habilitadas para a China foi muito significativo”, afirmou o Presidente da Abrafrigo, Péricles Salazar.
Em São Paulo, a cotação do boi gordo bateu novo recorde na última sexta-feira (22/11), aliás tem sido um atrás de outro, e chegou nos R$230,00/@ bruto à vista, R$229,50/@ com desconto do Senar, e R$226,50/@ com desconto do Funrural e Senar. Essa alta foi de 4,6% na comparação feita dia a dia e de 15% na última semana (segunda a sexta-feira). Em novembro a alta é de 35,6% ou R$59,50/@, segundo levantamento da Scot Consultoria. Ainda conforme informações da Abrafrigo e imprensa especializada, o mercado, nervoso, continua subindo e sem referências.
Conforme a Scot Consultoria, o mercado de suínos está bastante demandado. O quadro tem feito os preços galgarem novos patamares de alta a cada semana. Os preços nas granjas paulistas tiveram alta de 4,9%, com a arroba do animal terminado sendo negociada, em média, em R$107,00. No atacado, a alta foi maior em igual comparação. A carcaça está cotada, em média, em R$9,00 o quilo, valorização de 9,8% em sete dias. Este é o maior valor registrado em toda a série histórica, em valores nominais, desde 2003.
O que inicialmente demonstra um excelente fomento para os produtores de carnes brasileiros, para os frigoríficos, consumidores e produtores que não trabalham com exportação, ou que contratam diretamente com a Administração Pública, o cenário não se revela vantajoso.
Como exposto na primeira parte desta análise, os editais das licitações podem prever reajuste de preços, custos, índices de correção monetária, mas, por óbvio, não poderiam ter em seu conteúdo a previsão de que ocorreria um surto de peste suína africana na China. O cenário apresentado se amolda perfeitamente na imprevisibilidade capaz de alterar de forma substancial o equilíbrio econômico financeiro dos contratos.
Produtores alheios à exportação são obrigados a competir por uma demanda escalonada por carne bovina e suína que extrapola a sazonalidade típica da indústria. O mercado da carne continua subindo e sem referências.
Conclui-se que, com os preços em alta constante e sem baliza, conforme atesta a Abrafrigo e a Scot Consultoria, os preços inicialmente previstos em editais licitatórios, elaborados em momento anterior à repentina mudança no mercado, não coadunam com a realidade vivida pelos frigoríficos e produtores que fornecem carne, bovina e suína, e derivados à Administração Pública.
Dessa forma, o contrato administrativo é passível de sofrer a revisão prevista no artigo 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993, com o intuito de promover a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato.
PEDRO AUGUSTO ALVES PEREIRA
Fontes: https://www.abrafrigo.com.br/index.php/2019/11/25/clipping-da-abrafrigo-no-1128-de-25-de-novembro-de-2019/